| *Imagem gerada por IA |
Aparentemente, era apenas um comercial de sandálias. Uma peça publicitária colorida, solar, protagonizada por uma atriz consagrada, Fernanda Torres, vendendo o produto mais onipresente da brasilidade: as Havaianas. No roteiro, um jogo de palavras, um chiste supostamente inocente sobre superstições de Ano Novo. A atriz sugere que não precisamos começar 2026 com o "pé direito", mas com os "dois pés". "Sorte não depende de você, depende de sorte", diz ela, num tom de desprendimento leve. Aos olhos do observador desatento, ou daquele anestesiado pela repetição contínua dos cacoetes progressistas, não haveria nada ali além de marketing. Mas a realidade, como costuma acontecer, é muito mais áspera e menos ingênua do que sugerem os sorrisos de uma campanha de verão. O que ocorreu em seguida — a reação visceral de políticos conservadores e a subsequente tempestade nas redes sociais — não foi um delírio coletivo, mas o funcionamento de um sistema imunológico social que, finalmente, começa a rejeitar os organismos estranhos que tentam colonizá-lo.
É preciso, antes de tudo, compreender a engenharia da sutileza. A esquerda moderna, refinada nos salões da alta cultura e encastelada nas agências de publicidade do Leblon e da Vila Madalena, há muito abandonou a panfletagem grosseira do operário com a foice e o martelo. A revolução hoje não se faz com fuzis, mas com semiótica. Ela opera nas entrelinhas, no duplo sentido, na desconstrução molecular da linguagem e dos símbolos tradicionais. Quando se ataca a expressão "pé direito" — uma metáfora secular para a retidão, para o bom agouro, para a tradição que se perpetua —, não se está apenas fazendo uma piada; está-se sinalizando virtude para a tribo iluminada e, simultaneamente, ridicularizando a sensibilidade do homem comum.
E não nos enganemos com as coincidências, pois elas não existem na alta política: o alvo é 2026. Este não é apenas mais um ano no calendário; é o horizonte de uma eleição presidencial decisiva. Quando a campanha sugere abandonar o "pé direito" justamente na alvorada de um ano eleitoral, a mensagem subliminar deixa de ser um sussurro e torna-se um grito. O trocadilho perde a inocência e revela sua natureza de guerra psicológica: trata-se de criar uma atmosfera onde a "Direita" — política e simbólica — é associada ao obsoleto, ao desnecessário, enquanto o "vale-tudo" dos "dois pés" é vendido como a liberdade moderna. É a tentativa sutil de vencer a eleição antes mesmo que o primeiro voto seja depositado, moldando a linguagem e o imaginário do eleitor para rejeitar o conservadorismo como se fosse uma superstição ultrapassada.
O erro crasso dos estrategistas da marca, e da própria intelligentsia que aplaude tais manobras, foi subestimar a capacidade de leitura do público. Houve um tempo em que essas alfinetadas culturais passavam despercebidas, absorvidas passivamente por uma maioria silenciosa e desarticulada. Esse tempo acabou. A conexão imediata feita por figuras públicas e pela população nas redes — ligando a atriz ao seu viés político, a marca aos seus proprietários e o texto do comercial a um escárnio contra os valores conservadores em pleno ano de decisão nacional — demonstra um amadurecimento político formidável. O brasileiro médio percebeu que a cultura não é um terreno neutro. Percebeu que, quando liga a TV, está frequentemente sendo alvo de uma pedagogia sutil que visa reformar sua alma e induzir seu voto.
A reação, rotulada pela grande imprensa como "ataque" ou "polêmica", é, na verdade, um ato de legítima defesa cultural. O boicote, instrumento clássico da soberania do consumidor, surge aqui com uma roupagem moral. Por que deveria o cidadão conservador, que constitui a massa demográfica e econômica deste país, financiar com seu suor as empresas que desprezam seus valores e zombam de sua orientação política? A resposta da direita, ao vocalizar o repúdio e sugerir a migração para outras marcas, sinaliza o fim da hegemonia inconteste. O mercado, que é covarde por natureza e só respeita o lucro, recebeu o recado: a lacração tem um custo, e a fatura chegou.
O que assistimos neste episódio das Havaianas é paradigmático. Não se trata de chinelos de borracha; trata-se de ocupação de espaço. A esquerda, acostumada a reinar sozinha no imaginário popular, a ditar o que é "cool" e moderno, deparou-se com uma barreira intransponível: a realidade. E a realidade é que a maioria da população não quer ser reeducada por atrizes ou publicitários, muito menos ser induzida sutilmente a abandonar o "pé direito" nas urnas. O Brasil real, aquele que trabalha, reza e paga a conta, cansou de ser tratado como uma relíquia bárbara a ser civilizada pelo marketing. A cultura é um campo de batalha, e o lado que se calava decidiu, finalmente, falar a única língua que as corporações entendem: a do prejuízo.

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