Se ainda restava alguma dúvida de que o Brasil abandonou o terreno do Direito para adentrar o pântano do Direito Penal do Inimigo, a condenação de Filipe Martins a 21 anos e 6 meses de prisão é a lápide definitiva da legalidade. Não estamos diante de um erro judiciário ou de um "excesso de rigor". Estamos diante de algo muito mais sinistro: a institucionalização da alucinação como prova criminal.
O caso de Filipe Martins é o exemplo laboratorial, quase pornográfico, da teoria de Günther Jakobs aplicada ao conservador brasileiro. Para o "inimigo", a realidade fática — a matéria, o tempo e o espaço — deixa de existir se ela contrariar a Vontade do Soberano.
O pilar central dessa condenação grotesca é uma viagem que nunca existiu. A Polícia Federal, em um delírio criativo, alegou que Martins teria fugido para os Estados Unidos. A defesa, agindo como quem ainda acredita viver em um Estado de Direito, soterrou o processo com provas da realidade: recibos de Uber, pedidos de iFood, fotos e geolocalização comprovando que ele jamais deixou o solo nacional.
Mais do que isso: o próprio Governo Americano — que detém o controle de suas fronteiras, e não o STF — confirmou que Filipe Martins não entrou naquele país. Em qualquer tribunal civilizado do mundo, a prova cabal da inocência (a impossibilidade física de estar em dois lugares ao mesmo tempo) encerraria a questão. Mas no Brasil de Alexandre de Moraes, a realidade é um mero detalhe incômodo.
Como o Ministro superou a barreira da realidade? Criando um neologismo jurídico: a "celeuma". Ao condenar Martins, Moraes afirmou que havia uma "celeuma" (uma controvérsia) sobre a viagem. Percebam a sofisticação da maldade: ao chamar um fato inexistente de "celeuma", o julgador equipara a mentira da acusação à verdade da defesa, criando uma zona cinzenta artificial onde ele pode decidir o que quiser.
A ironia é de um amargor insuportável: Alexandre de Moraes, o inquisidor-mor das "Fake News" e da desinformação, utilizou uma notícia falsa (a viagem fantasma) para manter um homem preso. Ele se recusou a admitir o erro, pois no Direito Penal do Inimigo, o Estado nunca erra; ele apenas ajusta a realidade. O combate à "desinformação" serviu, neste caso, para proteger a desinformação produzida pelo próprio gabinete do Ministro.
O Cárcere como Instrumento de Tortura (Lawfare)
Por que manter a ficção da viagem? A resposta é pragmática e cruel. A prisão preventiva baseada nessa mentira tinha um objetivo claro, confessado pelas circunstâncias: tortura psicológica para extrair uma delação. Assim como foi feito com Mauro Cid, a liberdade de Filipe Martins foi sequestrada para pressioná-lo a "entregar" algo ou alguém, a validar a narrativa do golpe. Ele ficou preso por seis meses sem denúncia — um prazo aberrante, visto que o máximo legal seria de 35 dias. O processo não serviu para apurar a verdade, mas para quebrar o espírito do réu. Quando a PGR finalmente concordou que a prisão não se sustentava, Martins já havia sido asfixiado financeiramente, banido das redes sociais e transformado em um pária cívico. A condenação de Filipe Martins não é sobre o que ele fez. É sobre quem ele é. É a aplicação pura do conceito de
O Brasil assiste, atônito, à consolidação de um sistema onde a prova técnica é humilhada pela vontade política. Se 21 anos de prisão podem ser fundamentados em uma viagem imaginária, então nenhum cidadão está seguro. A liberdade no Brasil hoje é condicional: ela dura apenas até o momento em que o sistema decide que você é o próximo inimigo a protagonizar uma "celeuma".


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